04 maio 2007

O Jazz e Lisboa (anos 20): conclusão








Como prometido, aqui está a 2ª parte do artigo "O Jazz e Lisboa nos Anos 20", escrito por António Rubio, crítico de jazz. Boa Leitura!






"No campo das letras, António Ferro foi sem dúvida o maior entusiasta desta forma de música e de todo o processo social nela integrado. Ferro foi mais do que isso: foi um verdadeiro apreciador de jazz, coleccionador de discos e, sempre que podia, assistia a concertos em Paris ou nos Estados Unidos, com os músicos mais importantes da época. Os seus livros A Idade do Jazz-Band, Novo Mundo Mundo Novo e Praça da Concórdia são permanentemente tocados pela música e pelos sentimentos que esta traz ao autor e aos ambientes vividos.
Almada, como artista literário, também retrata, no seu romance Nome de Guerra, a vida de boémia das noites dos clubes de Lisboa. Reynaldo Ferreira, o célebre “Repórter X”, escreve o livro A Virgem Do Bristol Clube e centenas de artigos que envolvem a vida nos clubes com o jogo e a corrupção, não esquecendo as drogas da época: a cocaína e a morfina. As grandes notícias dos jornais eram os assaltos nos próprios clubes ou nas suas imediações por bandos organizados. Mário Domingues escreve em 1929 o romance O Preto do Charleston que reflecte a sua experiência como porteiro do Clube Ritz.

A música em si estava completamente dominada pelas Jazz-Bands, que até já ofereciam os seus serviços em anúncios de jornal, para os organizadores de bailes nas colectividades e festas particulares. Também por essa época aparecem os primeiros espectáculos de negros americanos em Lisboa.




A Companhia de Dança de Louis Douglas apresenta-se, em 1928, no Teatro da Trindade, com a revista Black Follies. Mário Domingues faz uma espantosa entrevista a Louis Douglas, que é publicada na revista Ilustração sob o título A Excentricidade e Comédia no Bailado Negro. O director, bailarino e coreógrafo, explica o que é o espectáculo estilo “jungle”, criado no Cotton Club de Nova-Iorque, no qual se integra completamente a revista trazida ao Trindade. Nesta época já os negros americanos falavam abertamente do racismo que os oprimia e do tipo de espectáculo que faziam, onde os vectores eram sempre a selva de África e a vida nas plantações do Sul dos E.U.A..



A música, essa, era já composta pelos espirituais, blues e claro a força dos "charlestons" dançados por bailarinos negros, que sentiam o ritmo como ninguém. Destes espectáculos, um dos grandes momentos era o sapateado, também dançado com uma esfuziante alegria.




O grande escritor Ferreira de Castro escreve em 1923 um excelente artigo na Ilustração Portuguesa sobre A Propagação do Jazz-Band. É um artigo escrito com maestria sobre o fenómeno da época, visto sob o prisma da análise social e ilustrado por excepcionais desenhos de Bernardo Marques.

Esta Lisboa dos anos vinte também viu as revistas do Parque Mayer cheias de alusões aos clubes da época, aos clientes e às meninas de cabelo à ninon, que caracterizava as frequentadoras profissionais de emagrecer as carteiras dos jogadores.
Independentemente destas actividades, os Clubes eram também locais de grandes banquetes e de festas sociais. O Bristol, o Magestic e o Maxim’s foram os mais procurados para eventos sociais.

Este é um pequeno resumo da história duma época de Lisboa, onde o Jazz e os Clubes eram figura central da cultura e do divertimento, sem deixar de influenciar muito o povo, que apesar de tudo não deixava de amar o seu fado. É desta época o primeiro filme sonoro português, A Severa de Leitão de Barros, que foi um campeão de bilheteira."

António Rubio

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Muito interessante. Tenho uma pergunta, nao sei se me sabe responder. Mario Domingues foi um mulato escuro de Sao Tome e, sem ter lido a obra, interessa-me saber se o seu livro "O preto de Charleston" espelha de qualquer forma a sua experiencia como uma pessoa de cor na Lisboa dos anos 20, ou se a palavra "preto" no titulo se refere a outra coisa?

O meu e-mail eh p.m.castro@ed.ac.uk, se tiver o tempo e a gentileza de me responder

25 janeiro, 2008 14:25  

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